PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS
SOBRE MATEMÁTICA NOS CARTUNS
Esta postagem tem como propósito divulgar a dissertação de mestrado de Márcia Castiglio da Silveira, intitulado PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS SOBRE MATEMÁTICA NOS CARTUNS, apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, como requisito parcial, para
obtenção do título de Mestre em
Educação em parceria com a Orientadora:
Profª. Drª. Marisa Vorraber Costa.
Segundo Márcia Castiglio da Silveira "esta pesquisa tem por objetivo analisar e problematizar os significados produzidos sobre
Matemática nos cartuns. Não se trata de propor uma utilização pedagógica, mas de fazer uma tentativa de
mostrar o que eles ensinam com os saberes que inventam sobre Matemática. Para isso, analiso as
representações de Matemática presentes nos discursos dos cartuns, entendendo-os como artefatos da
cultura que produzem narrativas que põem em circulação significados na arena de uma política cultural.
Como referencial teórico, utilizo-me do campo dos Estudos Culturais em suas versões
contemporâneas inspiradas no pós-modernismo e no pós-estruturalismo. Autores e autoras como Stuart
Hall, Michel Foucault, Valerie Walkerdine, Kathryn Woodward, Alfredo Veiga-Neto, Guacira Lopes
Louro, Marisa Vorraber Costa, Rosa Hessel Silveira, Tomaz Tadeu da Silva, entre outros/as, a partir de
suas produções nesse campo, contribuem para as análises de cartuns que circulam em nosso meio nos
jornais, revistas, gibis e sites da Internet.
Os significados sobre Matemática produzidos nos cartuns foram agrupados, para fins de
análise, em três focos: a metanarrativa da onisciência, onde abordo aqueles significados que conferem ao
conhecimento matemático um caráter diabólico, complexo, inacessível, transcendental, que apresentam a
crença de que o mundo é matematizado segundo leis divinas; o gênero da Matemática, relativo àqueles
que opondo as mulheres aos homens, colocando estes num pólo privilegiado de raciocínio e aquelas num
pólo oposto, deficitário, generificam a área da Matemática como sendo masculina, assim como se
generifica o trabalho docente como feminino; e o terror das provas, apresentando aqueles que mostram
os momentos de avaliação nas aulas de Matemática sempre povoados por sentimentos de desespero,
pavor e sofrimento."
Tirinhas e cartuns selecionados pela autora para desenvolvimento da pesquisa
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operações matemáticas, unidades de medidas, área, integral, derivada - repositório ufrgs |
Conclusões da autora
"Neste momento, no qual estou buscando colocar o ponto final neste estudo, só posso concordar
com o que dizem Grün e Costa (1995): “A pessoa que escreveu as primeiras páginas e a que assina o
nome e coloca o ponto final na última página não são, de modo algum, a mesma pessoa” (p.102).
Estou certa de que não sou a mesma, porque ao empenhar-me, envolver-me na tarefa de
localizar, evidenciar e desconfiar dos significados sobre Matemática nos cartuns, nas histórias em
quadrinhos e nas charges, fui sendo constituída pelos discursos que me atravessaram, pela experiência,
pelo debate estabelecido com autores e autoras, com colegas e com orientadora. Também porque a
perspectiva com a qual trabalhei me ensinou que nossas identidades são instáveis, móveis, mutantes,
plurais e até contraditórias.
Embora meu estudo esteja focado sobre os significados da Matemática nos cartuns, ao elaborar
este trabalho, aprendi que são muitos os discursos que narram o que é ser docente e estudante, que
existem diferentes jeitos de se exercer a docência, como aqueles que comentei no primeiro capítulo, que
nos estimulam a fazer uso de recursos alternativos a partir de artefatos da cultura. Assim, nossas
identidades docentes vão sendo constituídas por esses discursos, na medida em que somos subjetivados
por eles. Aprendi, ainda, que utilizar esses materiais não garante o sucesso do processo educativo e que,
independente de envolvê-los numa atividade escolar, eles são pedagógicos por comporem uma linguagem
e prática cultural utilizada como um sistema de significação possível.
Compreendi que as práticas pedagógicas são sempre intervenções culturais e políticas, que em
nossas atividades estão envolvidos muitos saberes e poderes, não só os disciplinares, mas também aqueles
relativos às questões de gênero, sexualidade, classe, raça, etnia, religião, etc. Importante notar que, apesar
de em alguns momentos − nos quais se vai discutindo essas questões − parecer que ficamos sem saída e
que de nada adianta nosso trabalho, logo se percebe que é exatamente o contrário, temos muito o que
ensinar, aprender, debater, problematizar, analisar, inclusive, produzindo outras narrativas. Na
diversidade cultural, podemos exercer uma “docência artística” (Corraza, 2001, p. 27). Com essa
expressão, a autora quer nos chamar atenção que como professoras e professores devemos ser analistas,
críticos e artistas, pois a docência
ao se exercer, cria e inventa (...) nos convoca a lutar na materialidade da
cultura. Na criação de espaços, recursos e sustentação para todas as culturas
diferenciadas que habitam o mundo e cada um de nós. (...) [Docência] que
recupera e reformula os saberes locais, as línguas caladas, os sujeitos
maltratados. Que, mais que dialogar com as diferenças, trabalha e segue
trabalhando com elas. Que não supõe nunca ‘partir das diferenças’ para
depois eliminá-las. Mas que, ao contrário, intensifica a diferença para
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superar as desigualdades, pois são estas que inferiorizam os diferentes. (ib. p.
30).
Nossas pesquisas são importantes ferramentas, elas nos instrumentalizam para trabalhar a favor
da criação desses espaços para o debate e inclusão de todos e todas, por exemplo, examinando e
suspendendo aqueles significados correntes que constroem classificações e, consequentemente,
hierarquizações.
Durante estes dois últimos anos em que me dediquei a esta Dissertação, nos quais tracei um
caminho que fui seguindo, que foi também se abrindo a mim, que foi, ainda, me produzindo como
pesquisadora, estive acompanhada por uma vontade de chegar. Talvez uma vontade que agora seja a de
“fechar as contas”, mostrar o serviço feito e, entre perdas e ganhos, descobrir que talvez o saldo seja
positivo. Uma vontade de pôr o ponto final e de sentir o prazer da missão cumprida.
Mas fui percebendo que não é possível chegar, nem “fechar as contas”, nem pôr o ponto final,
como diz Foucault (1998) “é preciso continuar, é preciso pronunciar palavras enquanto as há, é preciso
dizê-las até que elas me encontrem, até que me digam...” (p.6). Mas eu não posso continuar, é preciso
parar, mesmo que ainda existam muitas palavras para serem ditas, que naquilo que apresentei tenham
ficado muitas brechas, muitas lacunas, e tudo possa ser pensado de outros jeitos. Suponho ter sido
capturada pela ordem do discurso, por isso, parodiando Foucault (1998), quando ele fala da dificuldade de
ter que começar, enfrento a dificuldade de ter que terminar.
Então, porque não posso continuar, porque acredito na impossibilidade de fechar de vez as
contas – pois sei que há (e haverá sempre) possibilidade de se voltar, de dizer o ainda não dito, de tornar
visível o invisível – vou apenas retomar algumas reflexões a partir das análises realizadas.
Pretendi neste estudo, desenvolvido no panorama de uma perspectiva dos Estudos Culturais
voltada para a análise de artefatos da cultura sob inspirações pós-moderna e pós-estruturalista, examinar
os significados sobre Matemática que são produzidos culturalmente. Desenvolvi essa análise a partir de
um conjunto de textos (cartuns, histórias em quadrinhos e charges) que me permitiram identificar, para
então problematizar, significados que agrupei nos três focos de análise já apresentados.
Penso que, com este estudo, contribuo para a desnaturalização de narrativas sobre Matemática,
especialmente, aquelas que se referem à onisciência, às questões de gênero e às práticas de avaliação,
todas elas produzidas pelos discursos. Não se trata, para isso, de instaurar novos significados, nem de
duvidar dos já existentes, mas de mostrar as contingências históricas e culturais de representações que nos
interpelam, ensinando o que seja a educação, a Matemática, a Educação Matemática e classificando, por
exemplo, os sujeitos em “geniais” ou “deficitários”, segundo uma lógica sexista. Como nas palavras de
Silva (1999), a perspectiva pós-estruturalista me instrumentalizou para “questionar e interrogar esses
discursos, desestabilizando-os em sua inclinação a fixá-los em uma posição única que, afinal, se mostrará
ilusória” (p. 249).
Apesar de a perspectiva dos Estudos Culturais não tratar diretamente de fazer recomendações e
prescrições de práticas educativas, as reflexões que nos permite fazer ajudam a compreender essas práticas de outras formas, “alimentando outras esperanças, moderando ou mesmo dissolvendo nossos
sonhos utópicos e, talvez, até mesmo reorientando nossas práticas diárias” (Veiga-Neto, 1995, p. 14).
Por isso, a problematização que fiz a partir de uma prática pedagógica que fazia uso de cartuns
como recurso didático e, as análises realizadas a partir desse mesmo material enquanto texto cultural,
mostraram um jeito de compreender e representar a Matemática que tem repercussão na educação. Não
penso que conhecer as narrativas como as que apresentei – que nos ensinam que Matemática é um campo
difícil, complexo, abstrato, caracterizado predominantemente por qualidades que aprendemos a identificar
como masculinas, e que é uma disciplina “assustadora”, “raladora”, responsável pelo fracasso de muitos
estudantes – inviabilize o uso de artefatos como os cartuns nas práticas pedagógicas escolares. Acredito,
sim, que conhecer os saberes que circulam nesses discursos e as relações de poder que envolvem, nos
fazem repensar nossas práticas, por exemplo, incluindo em nossas preocupações a historicização que
mostra a contingência dos significados produzidos na cultura.
A tarefa que temos é de manter as representações sob permanente desconfiança, mostrando que
aquilo que adquire estatuto de verdade foi inventado como verdadeiro, não resultando de uma suposta
operação da racionalidade dita universal, natural e transcendental. "
Dissertação de mestrado
Artigo
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