Conclusões do autor
"É chegado o momento de realizar um fechamento de tudo o que foi
vivenciado nessa pesquisa. É, portanto, um momento de reflexão Nossa pesquisa se propôs investigar a presença do humor e o riso na
ciência, mais especificamente na física, e a sua utilização no ensino e na
comunicação da física. Refazendo nossa trajetória, iniciamos com uma
justificativa sobre o tema e a sua importância, onde vimos que existem algumas
propostas sobre a aproximação do humor e da física para o ensino. Seguimos
apresentando a nossas dúvidas e questões sobre o tema e a metodologia que
fora construída, junto ao nosso grupo de pesquisa, para investigação do tema.
Metodologia que, como comentado, buscar ser um caminho para a realização
de práticas nas quais produtos midiáticos são utilizados como ferramenta
didática. Basicamente a proposta metodológica envolve três etapas nas quais
estariam englobados a produção didática, a análise, formulação e intervenção.
Disso, partimos para um percurso histórico no qual detalhamos alguns
dos principais estudos sobre o riso e o risível. Desse percurso, vimos que, de
maneira geral, as teorias sobre o humor podem ser categorizadas em três
principais grupos, a teoria da superioridade, do alívio e da incongruência (GORDON, 2014). Esse percurso histórico, também nos permitiu observar que
a ciência já foi alvo de zombaria em outros momentos, como na idade média.
Desse percurso, partimos para um estudo linguístico do humor, que tem
como característica a associação de dois discursos distintos, mas que, a partir
de um “gatilho” ganham um sentido semelhante, gerando uma quebra de
expectativa. Essa ideia de associar dois discursos como caminho para
instauração do humor, também foi vista como explicação de Koestler (1964)
para as grandes descobertas científicas e obras artísticas, a partir da chamada
biassociação.
Fomos em seguida em busca de estudos e referências sobre o humor na
educação e na escola. Vimos que as propostas e os resultados são bastante
variados, o que, a nosso ver, demonstra uma certa dificuldade na abordagem
do tema. No geral, os trabalhos apontam a importância de se trabalhar com um
humor apropriado e que não seja depreciativo, que o humor gera um ambiente
favorável ao diálogo, e que pode ajudar na aprendizagem. Sobre a utilização
do humor na educação, destacamos o trabalho de Melissa Wanzer (et al,
2010), que propõe um elaborado esquema para compreensão sobre as
premissas que podem fazer com que o humor funcione como um suporte
didático.
Com essa base teórica, partimos para a apresentação de alguns
exemplos da aproximação entre ciência e humor. Para tanto, buscamos em
diferentes suportes midiáticos, como cinema, televisão, música, literatura,
quadrinhos e internet, exemplos desta aproximação. Consideramos também
alguns exemplos da própria história da ciência na qual alguns cientistas tiveram
uma postura cômica e fora do comum, como no caso de Feynman e Gamow.
Todos os exemplos vistos, neste levantamento, são, de alguma maneira,
potenciais materiais para intervenções didáticas, embora, deva ficar claro, que
os autores das obras e piadas não estavam, em sua grande maioria, pensando
no ensino quando produziram os materiais em questão. Por este motivo que é
importante levar em consideração uma metodologia em que uma transposição
deste conteúdo para práticas educativas esteja programada. Curiosamente, como analisou Possenti (2015), poucos exemplos
realmente criam um humor que mostre a ciência de outra forma, que de alguma
maneira descontrua as teorias científicas. Nesse sentido, vemos que a obra de
Italo Calvino é a que melhor “desmonta” a ciência, ao propor, por exemplo,
pensar as pessoas espremidas no universo antes do Big Bang. Assim, a
ciência se torna o ponto de partida para possibilidades absurdas, ou não. No
caso de alguns exemplos do Calvin, como a explicação do seu pai para a
relatividade, os conceitos são apresentados de uma forma diferente, mas, o
que acaba chamando atenção é o fato delas estarem erradas, e ele, o pai, se
aproveitar disso para enrolar o Calvin.
Nos exemplos observados, ficou claro, portanto, que diversos elementos
do universo da ciência, e externos a este, acabam sendo utilizados para fins
humorísticos. Ou seja, usar o bóson de Higgs para falar de política, por
exemplo. Ao mesmo tempo, muitos exemplos acabam se utilizando de
estereótipos, como o cientista de jaleco, homem, e desorganizado, como
apresentado em algumas charges e programas como o seriado The Big Bang
Theory. No entanto, estes estereótipos não necessariamente invalidam a
qualidade humorística de algumas obras, mas, são pontos que merecem sem
indicados e problematizados.
Sobre o humor virtual, vale pontuar a dificuldade na organização de
materiais. Mas, na verdade, trata-se de uma boa dificuldade, pois, a cada
semana surgem novas piadas ou memes sobre ciência. Nesse sentido,
reconhecemos que, talvez, seja necessário um estudo específico sobre o tema.
Saindo desta dimensão teórica, partimos para um estudo de práticas
docentes. Esta pesquisa se deu a partir do relato e análise de atividades
elaboradas para intervenções didáticas nas quais o humor se fizesse presente
a partir das obras midiáticas exemplificadas. Foi um estudo que ocorreu em
instantes diferentes e com públicos distintos, inicialmente envolvendo
estudantes do Ensino Superior, de física e de outros cursos, e, num segundo
momento, com alunos do Ensino Fundamental II. De certa maneira, as práticas
foram semelhantes, no entanto, a diferença de contexto nos levou a alguns
resultados variados. Um ponto, por exemplo, que se diferenciou entre as aplicações foi a
nossa visão educacional, por passarmos a considerar trabalhar na interface
entre ensino e comunicação científica. Isto fica mais evidente a partir do nosso
trabalho junto ao projeto da Banca da Ciência na Escola. Ou seja, a Banca da
Ciência é um projeto de comunicação científica que pode ocorrer em diferentes
contextos, feiras, amostras, congressos, parques, entre outros. Mas, quando
pensamos nessa comunicação na escola, como podemos definir? Ainda é uma
comunicação, mas o objetivo pode variar entre o ensino e a divulgação. Assim,
passamos a observar que nossas práticas com o humor encontravam um
terreno mais fértil no segundo caso, em que trabalhávamos com a
comunicação no ambiente da escola.
Tendo realizado essa breve digressão de nosso percurso, podemos
olhar novamente para nossas questões iniciais e identificar as repostas que
obtivemos a elas. Inicialmente nos questionamos, que outros exemplos, além
do seriado The Big Bang Theory apresentam a ciência com humor? Onde está
o humor na ciência? E como realizar intervenções com humor para a sala de
aula e o que fazer para que o riso esteja presente? Como avaliar se o riso
possibilitou a aprendizagem ou uma mudança de atitude em relação a ciência?
As duas primeiras questões estão voltadas a um estudo teórico do
humor, o que de certa maneira foram respondidas a partir do levantamento e
da análise de diferentes materiais encontrados na mídia, como “O Guia do
Mochileiro das Galáxias”, as tiras humorísticas de “Calvin e Haroldo” e das
“Cobras”, nos filmes, canções e na internet. Já o humor na ciência, como
comentado, se encontra, praticamente, fora da ciência. É um humor que usa a
ciência e seu contexto para tratar de temas variados.
No caso das outras questões, que são mais voltadas para a prática
docente, vimos que as intervenções podem ser variadas, mas, para que o riso
esteja presente é importante um espaço de troca e confiança. Assim, não basta
colocar um nariz de palhaço, como na imagem abaixo, e sair rindo. Levar um
material engraçado ajuda a instaurar o riso, mas, práticas dinâmicas e lúdicas
são um “tempero” importante para que o humor se faça presente. No entanto, é importante levar em consideração que o riso, em alguns casos, pode ser algo
sutil, ao invés de uma gargalhada estrondosa. Quanto a questão da avaliação, não elaboramos ferramentas de
pesquisa para averiguar se o humor possibilitou, ou melhorou, a aprendizagem
da física. No entanto, em relação à mudança de atitude, podemos afirmar que o
riso contribui como um elemento motivador dessa mudança. Seja nas
referências citadas ou nas atividades que desenvolvemos, é possível perceber,
essa mudança de atitude. No caso da leitura, um estudante se interessar pelo
livro por ele ser engraçado é um indicativo; um aluno que passa se divertir com
uma atividade na qual contenha algum conceito científico, como no caso jogo
com as canções, também é um indicativo desse engajamento. E o mesmo
pode ser dito dos graduandos que aturam como monitores, mesmo os que não
gostavam de ciência, passaram a vê-la com outro olhar quando passaram a
produzir intervenções.
Esta motivação, a nosso ver, é papel tanto do ensino formal quanto da
comunicação científica. No entanto, acreditamos que, nos aproximamos mais
da comunicação uma vez que no ensino formal, eventualmente, há um
momento de avaliação formal, o que não acabamos realizando no projeto
ALICE, e nem é a proposta do projeto que essa avaliação formal ocorra. Em
contraposição, as práticas realizadas na EACH/USP junto à disciplina de Ciência da Natureza, possuíam um caráter formal, posto que as atividades
estavam atreladas a uma nota.
Neste sentido, vemos como uma importante contribuição para a área de
pesquisa em ensino, mostrar que, realmente, o riso tem um lugar importante no
processo educacional, justamente por contribuir para o engajamento com o
conteúdo e na relação entre educador e educando.
Ao mesmo tempo, vemos que a proposta do projeto da Banca da
Ciência na Escola, pode contribuir na produção de espaços para fomentar a
interdisciplinaridade, como o exemplo da nossa aproximação entre ciência e
arte, passando pelo humor. Como defendido no texto, o espaço formal da aula
já apresenta diversas atribuições, de maneira que atividades em espaços não
formais, ainda que dentro do ambiente escolar, permitem um “respiro”, além do
currículo obrigatório. Iniciativas como a escola de tempo integral podem
contribuir com a utilização destes espaços, no entanto, boa parte das horas do
período integral ainda são ocupadas por aulas obrigatórias e atividades
formais.
Evidentemente que nenhuma pesquisa ocorre sem obstáculos. No nosso
caso, a implementação do projeto ALICE e a presença dos alunos nas
atividades foi algo que tivemos que aprender a contornar e solucionar. O
curioso é que justamente este obstáculo nos permitiu observar a importância
de repensarmos nossa prática, afinal, como apontam Maria Santana e Carla
Queiros (2010, p. 8-11), “a metodologia de sala de aula que trabalha como riso,
não pode ser meramente expositiva, porquanto, o educando precisa sair da
passividade”. Isso, de certa maneira, está em ressonância com a defesa de
Larrosa (2010) em profanar a escola. E, a partir desta mudança, passamos a
conseguir a presença de mais alunos nas atividades. Além deste, o próprio
cotidiano da escola é algo que é importante de aprender e levar em
consideração. Calendário de festas e feriados, são pontos que podem mudar a
rotina dos alunos. Mas, independente desses contratempos, os alunos que se
interessavam iam. Pode parecer pouco, mas é um engajamento importante,
motivar o estudante a ir antes de sua aula para a escola participar de uma
atividade de ciências, diferente de um esporte, por exemplo. De certa maneira a produção de atividades pode ser encarada com um
possível obstáculo, também. Pois, não é simples elaborar intervenções, mas é
uma vivência que todos docentes, em algum momento na sua formação,
devem viver. No caso dos monitores que acompanharam o projeto, este
obstáculo foi algo importante para a sua formação. As demais atividades,
realizadas com o ensino superior, tiveram alguns contratempos na hora de
serem postas em prática, mas, tudo isso, a nosso ver, faz parte da pesquisa.
Além dos contratempos, algumas das intervenções acabaram não dando
certo. Seja devido à pouca participação dos alunos ou pelo pouco tempo para
planejamento. Outro ponto que não funcionou como esperávamos foi o
envolvimento com os professores. Gostaríamos de tê-los envolvido mais nas
elaborações. Por outro lado, essa falha foi revista e, atualmente, os professores
atuam de forma mais ativa no projeto. Para cada um dos subgrupos do projeto
ALICE, há um professor responsável que deve, juntamente com os monitores,
desenvolver atividades e realizar intervenções. Esta nova organização tem
proporcionado uma rica troca entre os monitores e os professores, além de
permitir um maior protagonismo dos docentes nas decisões das atividades.
Nossa pesquisa, embora trate do humor no ensino, apresenta uma
limitação devido ao fato de não termos trabalhado com estudantes do Ensino
Médio, e de outros cursos de ensino superior que possuem a disciplina de
física, como o caso das engenharias, por exemplo. Não há dúvidas que estes
públicos possuem características próprias que podem levar a resultados
diferentes. No entanto, este limite, pode, justamente, dar margem a um
desdobramento da pesquisa que é investigar o humor nestes níveis e cursos.
Um ponto que também merecia ser investigado, que acabamos não realizando,
seria conhecer o tipo de humor que é consumido tanto por alunos quanto por
professores.
Como desdobramentos, também é possível investigar o humor nas
outras ciências como química, biologia e também nas demais ciências
humanas como história, geografia, sociologia, entre outras. Pois, algo que ficou
bastante claro ao longo de nossa pesquisa, foi que, de fato, o humor consegue,
de alguma maneira, aparecer em diversas áreas, ou seja, tudo pode ser, ou se tornar, risível. E, como as diferentes áreas vão possuir suas especificidades
didáticas, investigar a presença do humor nessas áreas também é
extremamente importante.
Além destes aspectos ligados ao humor, um estudo sobre os espaços
não formais dentro do ambiente formal da escola, pode vir a contribuir tanto
para o ensino formal quando para o estudo da comunicação científica. Esta
interface entre o formal e o não formal, na escola, pode render bons frutos,
pois, a comunicação científica, no geral, não se preocupa com a evolução
gradual dos conceitos para trabalhar algum tema. Dessa maneira, é possível
abordar temas antes que o ensino formal o faça, um exemplo disso acontece
com os filmes e em outros materiais como os apresentados ao longo de nossa
tese.
Por tanto, encerramos, nosso texto apontando que sim, é possível
aproximar o humor da ciência e construir intervenções didáticas. Evidente que
não é qualquer tipo de humor que podemos utilizar, e isso deve ser pensado
com cuidado, afinal, o humor e o riso não são atividades inofensivas, posto que
o humor pode machucar e ao mesmo tempo transformar. Ultimamente, tem-se
criticado a bandeira do politicamente correto, como uma forma de censura, no
entanto, como já afirmamos, uma piada é engraçada a depender de que lado
você está dela."
Tese: