HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E O ENSINO DE CIÊNCIAS NAS SÉRIES INICIAIS: ESTABELECENDO RELAÇÕES PARA O ENSINO DE CONTEÚDOS CURRICULARES PROCEDIMENTAIS
Aqui, a intencionalidade é destacar a dissertação de mestrado de Mariana Vaitiekunas Pizarro apresentada como requisito à obtenção do título de Mestre em Educação para a Ciência à Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências - Programa de Pós- Graduação em Educação para a Ciência, área de concentração: Ensino de Ciências, sob a orientação do Prof. Dr. Jair Lopes Junior intitulada HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E O ENSINO DE CIÊNCIAS NAS SÉRIES INICIAIS: ESTABELECENDO RELAÇÕES PARA O ENSINO DE CONTEÚDOS CURRICULARES PROCEDIMENTAIS.
De acordo com Mariana Vaitiekunas Pizarro "A linguagem dos quadrinhos está cada vez mais presente no meio escolar e o uso deste recurso como auxiliar na prática pedagógica é uma realidade para educadores de diversas áreas. Por ser uma linguagem próxima à realidade dos alunos e ser repleta de significados para eles, a presença dos quadrinhos em sala de aula permite que os formalismos do livro didático sejam superados por novas formas de olhar Ciências. O presente estudo tem como objetivo caracterizar práticas e estratégias de ensino e avaliação relevantes na aprendizagem de conteúdos curriculares procedimentais preconizados para a Educação Científica nas séries iniciais, mediante a utilização de histórias em quadrinhos publicadas comercialmente e que possuem em seus enredos temáticas pertinentes aos conteúdos de Ciências Naturais propostos para a quarta série do ensino fundamental. A pesquisa e analise de dados foi realizada a luz da metodologia de Pesquisa Qualitativa. Os resultados obtidos demonstram a importância da intervenção docente através do planejamento de estratégias de ensino e avaliação que permitam o uso do material de forma adequada bem como o desenvolvimento de procedimentos relevantes para o aluno a partir do estudo com quadrinhos no Ensino de Ciências."
Texto extraído de: repositorio unesp
Trecho de história em quadrinhos selecionado pela autora para desenvolvimento da pesquisa
![]() |
Trecho extraído de: repositorio unesp |
Histórias em quadrinhos selecionado pela autora para desenvolvimento da pesquisa - extraída de: repositorio unesp
Conclusões da autora:
"O estudo sobre o uso de histórias em quadrinhos (HQ) enquanto recurso didático
em sala de aula tem contado com valiosas contribuições no meio acadêmico. Inicialmente visto como um relevante instrumento para o ensino e para a aprendizagem apenas por comunicadores, atualmente a história em quadrinhos se revela como uma alternativa extremamente motivadora para o ambiente escolar. Presentes nos livros didáticos, nos materiais de apoio, nas campanhas de conscientização e nos principais métodos de seleção e avaliação do país (concursos públicos, vestibulares, avaliações de ciclo nas redes estaduais de ensino, entre outros), o estreitamento de relações entre esse veículo de comunicação e entretenimento e a sala de aula, trazendo os interesses dos alunos para dentro desse espaço, se tornou um importante objeto de pesquisa no campo educacional.
O desafio diário de educadores e gestores em educação é tornar a escola um espaço cada vez mais agradável e atraente para o aluno, especialmente para aqueles que muito pouca chance tem, de contar com uma realidade que os faça sentir-se motivados. Tornar as aulas mais atraentes, envolver os professores com a realidade dos alunos e formá-los para aceitarem e promoverem mudanças em suas próprias práticas, bem como para aceitar novas propostas de trabalho, têm sido o desafio para quem está na sala de aula e no meio escolar, diariamente. De acordo com reflexões anteriores, nota-se que a literatura na área de Ensino de Ciências aponta de modo consensual a relevância do uso de quadrinhos enquanto recurso didático, e para atestar esta contribuição, já possui uma série de publicações nacionais e internacionais (em conceituados periódicos e universidades) que divulgam as mais diversas experiências realizadas, apoiadas neste recurso como contribuinte.
O presente trabalho se apresenta, nesse cenário, como uma investigação comprometida com a caracterização de práticas de ensino e de avaliação relacionadas com a utilização das histórias em quadrinhos nas aulas da área curricular de Ciências Naturais, apresentando o uso de quadrinhos em uma sequência didática em aulas consecutivas de Ciências nas séries iniciais do ensino fundamental. Iniciado com reflexões teóricas, não apenas relativas às histórias em quadrinhos, mas também à importância do ensino e da aprendizagem de conteúdos curriculares procedimentais, e concretizado através do planejamento e da ação de estratégias de ensino e de avaliação desses conteúdos, o presente estudo apontou a história em quadrinhos como um recurso capaz de auxiliar o professor de duas formas: como um recurso motivador não apenas de humor, mas principalmente de reflexão.
Apresentando belas ilustrações, cativando seus leitores pelo contato com personagens que fazem parte de sua vida e muitas vezes trazendo mensagens que passam despercebidas pelos menos atentos, a história em quadrinhos pode ser utilizada como um recurso relevante também para o ensino de Ciências. Formar alunos constantemente curiosos, capazes de se posicionar diante de questões científicas, autônomos em suas decisões e participativos em sala, é possível com quadrinhos, e é possível em aulas de Ciências.
As aulas planejadas para o desenvolvimento desta pesquisa, o envolvimento da professora/pesquisadora com a escola que participou da coleta, bem como com sua comunidade, foram fatores essenciais para que fosse possível discutir práticas pedagógicas que levassem para a sala de aula quatro diferentes histórias em quadrinhos, e as tornassem instrumentos de pesquisa para os alunos estimulando a manifestação e o aprimoramento conteúdos curriculares procedimentais estimados relevantes para este ciclo.
A análise dos dados nos permitiu destacar alguns pontos sobre os quais versaremos nas linhas que se seguem. Em todas as quatro aulas planejadas, almejou-se utilizar as histórias em quadrinhos como recurso fomentador de discussões e argumentações em Ciências bem como auxiliar os alunos na aquisição de determinados conteúdos curriculares procedimentais que são importantes não apenas para o ciclo em que se encontram, mas para toda a sua escolaridade e também suas vidas. Através dos dados, pudemos notar uma constância em todas as quatro aulas: os desempenhos dos seis alunos evidenciaram dificuldades em interpretar as histórias em quadrinhos, quando estavam desprovidos de determinadas atividades ou práticas de ensino da professora. Contudo, quando foram expostos ao auxilio da professora na leitura da história, ainda sim, um número significativo (quatro de seis alunos) encontrou dificuldades em interpretá-la. Essa constatação nos leva a reiterar que a mera leitura dos quadrinhos pelo professor, sem o devido planejamento, acreditando que os quadrinhos são capazes de falar por si só graças a atração que promovem em seus leitores, é um sério equívoco.
Nota-se, pelos dados ora apresentados, que em muitas ocasiões o material exigia dos alunos a consideração de uma série de fatos para que procedimentos como o comparar e o interpretar fossem emitidos. Contudo, muitos deles consideravam esses fatos isoladamente e, portanto, encontravam sérias dificuldades para a realização de determinadas tarefas que necessitavam de uma compreensão maior e vinculada a outros aspectos. Assim, foram em momentos como este que a intervenção docente fez a diferença de modo a conduzir e orientar os alunos no sentido de alcançar uma compreensão maior dos procedimentos a serem realizados para a execução de determinadas tarefas.
Dando sequência a essas reflexões, pudemos notar através da análise de dados
que, na ausência de mediações da professora/pesquisadora, os alunos encontraram dificuldades para responder determinadas atividades, culminando muitas vezes em respostas equivocadas. Porém, quando contavam com o seu suporte seja através de exemplos, diálogos ou problematizações, ainda que apresentassem erros, diminuía sensivelmente o número de respostas erradas. As interações estabelecidas pelas práticas de ensino adotadas permitiram que muitos alunos conseguissem realizá-las.
Para tais alunos, os dados da presente pesquisa salientaram a insuficiência de características das HQ para garantir a manifestação de conteúdos procedimentais como interpretar, identificar argumentos expostos nos diálogos e relacionar os modos de expressão com a mensagem da HQ. Em outros termos, estima-se que parcela de possíveis contribuições da presente investigação consistiu em produzir evidências que salientaram a insuficiência do ler a HQ, de modo individual e silencioso pelos alunos, bem como da escuta da HQ mediante a leitura pela professora, para produzir as condições suficientes para a manifestação de conteúdos procedimentais como interpretar, relacionar e identificar argumentos a partir de material textual. Evidenciou-se que a utilização da HQ pode estimular a manifestação de alguns conteúdos curriculares procedimentais como o ler, a escuta da leitura, identificar dimensões explicitamente manifestas na HQ (personagens, locais, alimentos) e organizar sequencialmente os acontecimentos da HQ. Mas, a manifestação de outros conteúdos procedimentais definidos pela interpretação e compreensão de argumentos expressas pelos diálogos não pode prescindir de atividades de mediação ou de práticas de ensino e de avaliação planejadas e adaptadas pela professora em função de características das HQ utilizadas.
Muito embora algumas respostas dos alunos às atividades propostas sejam encaradas como equívocos diante daquilo que se espera ser classificado como correto, não podemos perder de vista a importância do erro (ou equívoco) por parte do aluno na construção de seu conhecimento. O equívoco pode estar vinculado a uma ressignificação de seus conhecimentos prévios e nesse sentido o trabalho em grupo proposto ao longo das quatro aulas se tornou um grande aliado na elaboração e reelaboração dos alunos. Podemos notar através dos dados ora apresentados que um número significativo de alunos se apoiava em exemplos dados pelos colegas e pela professora durante os momentos de discussão nas quatro aulas, para fornecer respostas a determinadas atividades. Isso é um forte indício de que os exemplos que foram avaliados oralmente pela professora e pelos demais colegas da sala (e do próprio grupo dos alunos) como corretos, passaram a fazer parte também do repertório daqueles que inicialmente encontravam problemas ou dificuldades em emitir determinados procedimentos como: classificar, comparar e justificar.
Ao longo das quatro aulas, foram almejados os seguintes procedimentos: ler, redigir, identificar, descrever, relatar oralmente, comparar, relacionar, classificar, propor hipóteses, formular perguntas para avaliar essas hipóteses, justificar, confrontar suposições, interpretar informações e estabelecer relações. Acreditamos que durante as quatro aulas foi possível, em maior ou menor grau, contemplar o ensino desses conteúdos curriculares procedimentais fornecendo aos alunos atividades que possibilitaram a manifestação desses procedimentos mais do que uma vez, ao longo do processo. Assim, metodologicamente, a proposição de quatro aulas consecutivas permitiu a obtenção de medidas repetidas de tais conteúdos procedimentais. O trabalho com os conteúdos curriculares procedimentais trouxe um benefício duplo para a pesquisa: a) inseriu efetivamente os alunos em aula, ou seja, a aula foi realizada por eles, eles participaram assiduamente de todos os momentos das quatro aulas, tirando-os da posição de meros espectadores; b) permitiu um maior aprofundamento no enredo das histórias em quadrinhos estudadas e fazendo emergir dela, através das atividades realizadas pelos alunos o conteúdo conceitual planejado para ser ensinado nessa unidade didática. O trabalho com conteúdos curriculares procedimentais também exigiu da professora/pesquisadora uma postura ativa, tornando-a parceira dos alunos na construção do conhecimento, auxiliar do processo, questionadora e instigadora, ativamente participante de todos os momentos da aula, o que trouxe maior segurança para os alunos e resultados gratificantes para ela. Suas estratégias de ensino e de avaliação estiveram a todo o momento vinculadas às ações dos alunos em sala de aula, e ao aprendizado dos mesmos.
Apoiados nessas reflexões e referendando posicionamentos expressos na literatura, acreditamos que as histórias em quadrinhos possuem recursos (motivacionais, linguísticos) positivos que podem favorecer as práticas do professor, tornando-as acolhedoras, interessadas e próximas dos interesses dos alunos. Contudo, o uso dela como recurso didático por parte do professor necessita que este, enquanto profissional, esteja atento às suas condições de uso, planejando suas aulas orientado pelas metas almejadas. Os dados ora obtidos e discutidos convergem em sustentar a tese de que a proximidade deste recurso da realidade do aluno não se constituiu em condição suficiente para garantir a comunicação com os alunos de modo a prescindir de uma mediação pedagógica planejada e orientada para o ensino de determinados conteúdos curriculares procedimentais.
Nesse sentido, acreditamos pertinente destacar a importância do estímulo às pesquisas que tenham por objetivo aprimorar práticas de ensino e de avaliação de
aprendizagens derivadas da utilização de quadrinhos em diversas áreas da Educação, mas principalmente na área do Ensino de Ciências, que conta com diversos enredos de histórias em quadrinhos que podem contribuir de maneira lúdica e eficiente para o desenvolvimento de conteúdos curriculares procedimentais estimados relevantes para o processo de alfabetização neste ciclo da Educação Básica."
Texto extraído de: repositorio unesp