FÍSICA QUÂNTICA E OBJETIVIDADE CIENTÍFICA: ALGUMAS IDEIAS FILOSÓFICAS DE ERWIN SCHRÖDINGER
Aqui, o intento é apresentar a Dissertação de mestrado de Caroline Elisa Murr apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina para obtenção de grau de Mestre na área de Epistemologia, sob a orientação do Prof. Dr. Décio Krause intitulada FÍSICA QUÂNTICA E OBJETIVIDADE CIENTÍFICA: ALGUMAS IDEIAS FILOSÓFICAS DE ERWIN SCHRÖDINGER.
Em sua dissertação Caroline Elisa Murr tem como proposta discutir como "o domínio da Física que é conhecido como Física Quântica apresenta alguns resultados um tanto surpreendentes, capazes de suscitar questionamentos sobre certas concepções tradicionais, que podem ser importantes focos de análise da Filosofia da Ciência. Um desses questionamentos envolve a Objetividade Científica. Nesta dissertação, apresentamos algumas das controvérsias concernentes a esse grupo de disciplinas que formam a Física Quântica, identificando em que pontos uma concepção de objetividade considerada tradicional entra em conflito com as conclusões sugeridas pela análise, especialmente, do período histórico do desenvolvimento inicial daquilo que denominamos de Mecânica Quântica. Erwin Schroedinger refletiu, em seus escritos, sobre muitos dos problemas filosóficos levantados nessas discussões. Apresentamos, aqui, parte de seu projeto epistemológico, extraindo dele um esboço de uma noção de objetividade que nos parece mais adequada que a tradicional, considerando o caso da Mecânica Quântica. Daremos especial ênfase à presença, nessa noção tradicional, das distinções entre sujeito e objeto e entre fatos e teorias, mostrando que esses dogmas tradicionais se veem ameaçados diante de certos resultados encontrados pela Mecânica Quântica. As ideias filosóficas de Schroedinger parecem ser mais adequadas, então, por enfatizar a importância da rejeição da distinção entre sujeito e objeto na Filosofia. Além disso, seu projeto epistemológico parte do pressuposto de que o objeto da Ciência é construído, o que permite concluir que os fatos seriam contaminados, do início, por teoria. Também trabalhamos com textos em que Schroedinger discute questões que identificamos com as que aparecem na discussão recente sobre objetividade científica, discutindo nas conclusões desta dissertação algumas consequências de suas ideias na Filosofia da Ciência."
Texto extraído de: repositorio.ufsc
Texto extraído de: repositorio.ufsc
Tiras exploradas para ilustrar aspectos da pesquisa
Cartoon: Metodologia Científica, trabalho científico, ética científica, laboratório, produção de ciência, pensamento científico- - extraída de repositorio.ufsc |
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Conclusões da autora:
"Uma conclusão que nos parece certa é a estreita ligação entre objetividade e subjetividade na Ciência. Não se pode considerar objetividade e subjetividade separadamente; deve-se considerar uma continuidade entre elas para que se tenha uma ideia menos distorcida da prática científica. Por isso, para defender que há objetividade na Ciência, esse conceito precisa incluir uma boa dose de subjetividade. Schrödinger via com cautela essa consideração por parte do cientista e do público em geral, mas defendia que era uma reflexão que o filósofo da Ciência precisava fazer. Ao mesmo tempo, tanto ele como nós, nesta dissertação, utilizamos uma terminologia dualista, e esse ponto precisa ser esclarecido. O uso desse linguajar, falando em ‗construção do objeto‘ e ‗inserção da subjetividade‘, é metodológico. E ele ocorre justamente por nosso viés naturalista, pois pretendemos refletir um pouco do que se encontra na História da prática científica. A Ciência sempre se utilizou dessas distinções. O que Schrödinger chamou de princípio da objetivação está, portanto, na raiz do que chamamos de noção tradicional de objetividade.
Ficarão sem resposta definitiva, neste trabalho, muitos dos pontos sugeridos nesta conclusão. Um deles certamente é a controvérsia em torno das interpretações da Teoria Quântica. A noção de objetividade que extraímos dos textos de Schrödinger parece dar conta dessa problemática, no sentido de que a objetividade só está garantida quanto à concordância nos resultados dos experimentos. Nesse sentido, pode-se dizer que há concordância das diferentes interpretações, e há objetividade se tomarmos o todo da Física Quântica, incluindo as interpretações. A discordância vem da maneira de explicar esses resultados, tendo como base diferentes pressupostos, e pode-se dizer que isso faz parte do caráter humano que toda Ciência tem. Poderia ser feita uma comparação com as Ciências Humanas, em que há correntes que consideram que, mesmo se mantendo a objetividade, o pluralismo pode existir. Putnam ([1981], p. 148), por exemplo, diz que existe sim um ideal a ser atingido, mas esse próprio ideal é plural.
Tocar no assunto das interpretações da Teoria Quântica nos leva a examinar novamente alguns problemas de que falamos na seção 2.8.; são questionamentos que vão de encontro à noção que chamamos ‗tradicional‘ de objetividade. Alguns aspectos da maneira como Schrödinger coloca o conceito de objetividade parecem mais satisfatórios, outros nem tanto, e vamos destacá-los.
O primeiro deles trata ainda das interpretações. Quando falamos nesse tema, dissemos que a proliferação de interpretações acabou incentivando o instrumentalismo entre os físicos. Schrödinger não é considerado, no entanto, um instrumentalista. Seu realismo metodológico afastou-o bastante da corrente dominante, a Interpretação Ortodoxa. Mas se prestarmos atenção às definições de instrumentalismo de que falamos na seção 2.7., veremos que de certa forma elas se harmonizam com as concepções de Schrödinger. Seja na versão em que o instrumentalista acredita que as teorias se relacionam com a experiência apenas fazendo predições ou na outra versão em que ele nega que as teorias expliquem uma realidade subjacente aos dados experimentais, há semelhança com o pensamento de Schrödinger, na medida em que ele rejeita justamente a tentativa de fazer as teorias corresponderem aos fatos observados. A diferença para com o instrumentalismo é a defesa, por parte de Schrödinger, de que os objetos construídos pela Ciência, mesmo não sendo equivalentes aos cotidianos ou a partes deles, são reais, ou tão reais quanto os objetos cotidianos. O realismo metodológico de Schrödinger pode ser aproximado ao que John Dewey chama de caráter prático da realidade‘, em Philosophy and Civilization105. É pelo fato de que esses objetos são guias para ação que eles devem ser considerados reais. Ou seja, realidade‘ para Schrödinger, ao que parece, não tem relação necessária com matéria‘, mas sim com construções formadas a partir da busca de invariantes pelo ser humano e que guiam suas práticas no mundo.
Mas esses objetos, embora com outro ‗status pragmático‘, provocam o que chamaremos aqui de uma espécie de ‗inflação metafísica‘ na maneira de Schrödinger conceber a realidade. Seria essa uma falha de seu projeto, já que a navalha de Ockham pede que se cortem as partes supérfluas de uma teoria filosófica? Acreditamos que não, pois considerar esses objetos como reais não é algo supérfluo para Schrödinger. Pelo contrário, isso é necessário, pois obedece não exatamente à coerência interna da epistemologia de Schrödinger, ou à necessidade premente de manter o realismo a qualquer custo. É certo que a meta de fazer os dois tipos de objetos, cotidianos e da Ciência, ficarem no mesmo nível ontológico pede essa manobra filosófica. Porém o que parece o principal motivo é mais profundo e mais nobre: não afastar-se do humano e da prática científica. Qual cientista dirá que os elétrons não existem, sendo que entra todos os dias em seu laboratório, ou passa vários dias seguidos nele trancafiado, procurando descobrir mais sobre eles, experimentar com eles, fazer cálculos, obter informações a seu respeito? Não, os objetos da Ciência não podem ser para Schrödinger uma fantasia, um simples produto mental quimérico; eles guiam o trabalho de homens e mulheres no dia-a-dia da Ciência.
O que diferencia a posição de Schrödinger do realismo metafísico é que os objetos reais, os da Ciência inclusive, não são isentos tanto da subjetividade humana, de certa forma, quanto das teorias com base nas quais são construídos. Isso condiz com o que se constata na Física Quântica, com respeito à não-distinção entre fatos e teorias, quando se observa o papel dos princípios quânticos como Incerteza, além do papel primitivo da medição. E falando em não-distinção, as sugestões da impossibilidade de considerar o objeto alheio à influência do sujeito na Física Quântica encontram oposição em Schrödinger, para quem essa distinção é artificialmente imposta. Sobre esse tema, no entanto, Schrödinger tem ressalvas, que já comentamos na seção 3.5.7.. Mas ele não nega que as intrigantes situações que o desenvolvimento da Física Quântica trouxe à Ciência são importantes para começar a mudar a atitude intelectual do ser humano, quem sabe em direção a uma Ciência e uma Filosofia mais falibilistas.
Certamente não esgotaremos esses assuntos nestas reflexões, tampouco conseguiremos erguer aqui uma noção de objetividade que resolva definitivamente os problemas apontados. Assim como a objetividade pode ser considerada como um ideal, buscado naturalmente pelos cientistas, pode-se dizer que é também objetivo dos filósofos da Ciência compreender melhor certas características atribuídas a esse ramo do saber, dentro de uma perspectiva naturalista, mesmo sem pretender chegar a conclusões definitivas sobre elas. Mas questionar também é tarefa do filósofo: será que a Ciência precisa mesmo de uma noção de objetividade, como Schrödinger propõe? Será que a característica humana é de fato buscar invariância ou isso é só mais uma imagem distorcida que se pretende pintar dessa atividade humana e da própria humanidade?"
Texto extraído de: repositorio.ufsc
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