Francisco Nascimento Junior: QUARTETO FANTÁSTICO: ENSINO DE FÍSICA, HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, FICÇÃO CIENTÍFICA E SATISFAÇÃO CULTURAL
QUARTETO FANTÁSTICO: ENSINO DE FÍSICA, HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, FICÇÃO CIENTÍFICA E SATISFAÇÃO CULTURAL
Aqui a intenção é apresentar a dissertação de mestrado de Francisco de Assis Nascimento Junior apresentada ao Instituto
de Física, ao Instituto de Química, ao Instituto de
Biociências e à Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo, para a obtenção do
título de Mestre em Ensino de Ciências na
modalidade Ensino de Física.
Orientador:
Prof. Dr. Luís Paulo de Carvalho Piassi e intitulada QUARTETO FANTÁSTICO: ENSINO DE FÍSICA, HISTÓRIAS EM QUADRINHOS, FICÇÃO CIENTÍFICA E SATISFAÇÃO CULTURAL.
De acordo com Francisco de Assis Nascimento Junior "Dentro da área de Ensino de Ciências é possível identificar a existência da linha de
trabalho que advoga o ensino de uma Física detentora de valor Cultural dentro de sala
de aula. Trabalhos como os de Zanetic (1989) sugerem que a Física, por não ser
desprovida de conteúdo ideológico e político seja ensinada nas escolas públicas dentro
de um contexto sociocultural. Neste caminho, pretendemos contribuir para o diálogo
entre a Física e a Cultura, em especial a Cultura de Massas, apresentando uma análise
do potencial didático apresentado pela Leitura de Histórias em Quadrinhos de Ficção
Científica dentro da sala de aula em um curso de Física. Utilizamos como referenciais
para a relação entre Física e Cultura os trabalhos de George Snyders (1988) C.P. Snow
(1959) e do próprio Zanetic (1989). A relação entre História em Quadrinhos e Educação
foi analisada a partir dos trabalhos do prof. Waldomiro Vergueiro (2009) da ECA-USP e
de outros estudiosos da área. Para iluminar o laço entre a Ficção Científica e o Ensino
de Física, nos baseamos na teoria de análise dos pólos temáticos desenvolvida por
Piassi (2007). Como demonstraremos adiante, o diálogo entre a Física, as Histórias em
Quadrinhos de Ficção Científica e o período histórico-social que as produz é profundo,
fazendo com que a leitura deste material em sala de aula possa fornecer o ponto de
partida para o estudo de uma Física detentora de um perfil cultural, cujo domínio é
capaz de levar o aluno ao questionamento, resultando em uma ação de mudança social.
O recorte temático para estudo adotou as histórias do título em quadrinhos "Quarteto
Fantástico", publicado originalmente desde 1962 e cujo lançamento pode ser
considerado uma resposta cultural as sucessivas derrotas enfrentadas pela sociedade
norte-americana no campo da corrida espacial. Exploraremos o panorama geral
delineado pelos três números iniciais da publicação, responsáveis pela definição de uma
matriz narrativa publicada de forma ininterrupta até os dias de hoje. Para fins de
comparação adotamos as três primeiras aventuras de sua versão reformulada para o
Século XXI após os eventos de 11 de Setembro de 2001, o chamado "Quarteto
Fantástico Ultimate". Nosso objetivo é apresentar as relações entre a expressão artística
da Ciência e os anseios sociais relacionados às descobertas científicas, apresentadas
nos dois títulos. O resultado obtido evidencia que discutir uma História em Quadrinhos
de Ficção Científica em sala de aula significa discutir a sociedade que as criou, fazendo
com que a leitura crítica de um título possibilite ao aluno o contato com uma Física fruto
da construção humana e detentora de um papel cultural."
Texto extraído de: teses usp
Trecho de Quarteto Fantástico Ultimate vol 1 - extraído de bxhqs
Conclusões do autor
"Inicialmente motivado pelo prazer pessoal que a leitura dos Quadrinhos tem
me proporcionado desde a infância, minha busca pela criação de estratégias de ensino
capazes de despertar no aluno o gosto pela Física em sala de aula me levou a utilizar as
Histórias em Quadrinhos de Ficção Cientifica para contextualizar os problemas de Física
apresentados pelos livros didáticos. A idéia consistia em analisar trechos das narrativas
sob o ponto de vista da Física, avaliando sua possível veracidade. Como resultado
dessa experiência, descobri que as Histórias em Quadrinhos de Ficção Científica representam uma ferramenta com potencial didático superior a finalidade para a qual eu
as estava destinando inicialmente: sua leitura em classe gerou discussões mais
profundas dos que eu havia planejado ao propor a atividade, passo que motivou nossa
investigação neste trabalho. O que compreendemos ao analisar as Histórias em Quadrinhos do Quarteto
Fantástico é que por pertencerem ao gênero da Ficção Cientifica, são revistas que
obedecem a uma lógica própria ao tratar da Ciência. Elas não tem como objetivo
explicar a Física ou ensinar seus conceitos, embora tal possa acontecer: o objetivo de
sua leitura é entreter veiculando ideias sobre a Ciência, abordando questões originadas
na relação sociocultural entre Ciência e sua representação artística.
São publicações descompromissadas voltadas ao público jovem e que se
situam na fronteira entre a divulgação Científica e o entretenimento lúdico. Sua
acessibilidade como produto de consumo é incontestável em ambientes urbanos, sendo
que seu preço pode ser considerado relativamente baixo quando comparado a outras
formas de entretenimento. Como produto midiático voltado para o consumo em massa,
seu caráter didático se manifesta na maneira como apresenta e transmite informações,
conceitos e valores ao seu público-alvo, composto de forma majoritária por jovens em
idade de formação escolar.
A incorporação da leitura de Histórias em Quadrinhos de Ficção Científica em
uma aula de Física, portanto, não se mostra como prática simples que possa ser
adotada pelo professor em uma tentativa de apresentar teorias. Sua leitura veicula
posições ideológicas, assim como ocorreria com a leitura de um texto de divulgação
científica levado para a sala de aula, embora o compromisso que suas leituras
despertem no aluno seja de natureza diferente: enquanto o texto leva o aluno à busca
por se relacionar com seu conteúdo, sua relação na leitura do Quadrinho de Ficção
Científica é com a forma com que esse conteúdo é expresso. A linguagem própria das
Histórias em Quadrinhos faz com que em suas narrativas de Ficção Científica
expressem uma corrente de desejos em relação ao mundo através da relação entre forma e conteúdo: trata-se da expressão de uma realidade histórico-cultural através de
uma visão subjetiva que é a do artista.
É esta a dimensão que leva o uso de Histórias em Quadrinhos de Ficção
Científica como instrumento de leitura em sala de aula de Física a se distanciar daquela
finalidade didática inicialmente imaginada de discutir erros ou acertos de teorias
científicas em suas narrativas, sua capacidade de não submeter facilmente as
determinações pedagógicas demandadas por um curso de Física tradicional, cujo foco
represente somente a resolução de exercícios.
A Ficção Científica quadrinizada apresenta seus personagens dispostos em
uma rede social interativa. Deste modo, consegue representar vozes sociais distintas
que vão desde a autoridade legitimada no caso do cientista como líder do grupo ou
mentor do herói, para apresentar as informações Científicas até o aluno, representado
na história pelo jovem herói ou pelo membro de um grupo que não possui formação em
Ciência.
A leitura de Histórias em Quadrinhos de Ficção Científica pode ser um
caminho valioso para abordar de formas simples e clara em sala de aula as implicações
sociais do desenvolvimento da Física, em um contexto que favoreça sua abordagem
Cultural, abrindo caminho para que sejam trabalhadas passagens relativas a História da
Ciência, como no caso da série original do Quarteto Fantástico cuja matriz narrativa está
intrinsecamente ligada ao período da Guerra Fria. Caso não seja este o objetivo do
professor, a prática da leitura do Quadrinho se torna desnecessário e bastaria ao
professor propor para sua classe a seguinte questão: como se deu o processo que
culminou com a chegada do homem a Lua?
O problema com esse questionamento é que ele não suscita o envolvimento
afetivo ou a disposição de espírito de questionamento que a leitura do Quadrinho
proporciona ao aluno. As Histórias em Quadrinhos de Ficção Científica apresentam essa
característica de desenvolver suas narrativas no limiar entre sentimentos e racionalidade. Dessa forma, suas ideias são encadeadas de acordo com uma lógica
racional que leva ao estabelecimento de conclusões causais, enquanto seu argumento
expressa sentimentos como a angústia, a admiração, a paixão e o comprometimento,
que podem ser consideradas como fonte de estímulo natural para a criatividade e a
imaginação.
As Histórias em Quadrinhos obedecem portanto ao estabelecimento de uma
dialética entre racional e emocional, que está essência da Ficção Científica veiculada
em outras mídias de consumo como o cinema ou os livros. Nosso estudo identifica duas fases distintas da representação da Ciência nos
Quadrinhos do Quarteto Fantástico: no surgimento de suas publicações em 1962 os
fenômenos Físicos são tratados de forma a despertar no leitor uma sensação de
maravilhamento e ao mesmo tempo, medo. É nesta fase que a figura do cientista é
apresentada como um adulto de meia idade, retratado ou de forma romântica como o
idealista benfeitor da humanidade (Reed Richards, o líder do “Quarteto Fantástico), no
papel de mentor da Sociedade (sua relação com Ben Grimm) ou então como ente
maligno decidido a escravizar a humanidade como o Dr. Destino ou o Toupeira.
A leitura das revistas da versão Ultimate do Quarteto Fantástico poderia se
restringir inicialmente a proposição de discussões relativas aos conceitos da Física e da
Astronomia apresentados de forma explícita pelas narrativas, representando seu lado
racional e lógico ao qual já nos referimos. Trata-se, entretanto, de um procedimento que
descartaria os aspectos fundamentais que a leitura desses Quadrinhos pode
proporcionar. Aqui nos referindo ao medo / desejo da humanidade em comprovar a
existência de vida em outros planetas. Se existissem, como seriam? O exercício
metalinguístico do estado comatoso enfrentado pelo Tocha Humana ao ingressar na
Zona-N e o drama pessoal enfrentado por Richards ao ter que se decidir entre a
satisfação de sua curiosidade como cientista e o bem-estar da tripulação de sua nave, o
medo dos perigos e desafios enfrentados pelo Quarteto Fantástico em usa busca pelo
conhecimento, são pontos ligados ao lado do envolvimento sentimental com a narrativa. O que a leitura dessa obra em Quadrinhos proporciona é a união entre o racional e o
sensível que pode estabelecer uma ponte entre pensar a Ciência e se relacionar com a
Ciência, através do questionamento.
Isto se torna possível porque na versão em Quadrinhos repaginada para o
século XXI, os autores parecem não mais se limitar a abordar teorias e divulgar fatos
científicos: passaram a buscar também uma reflexão ética a respeito de seu emprego,
retratando um momento histórico-Cultural em que a presença da Ciência e da tecnologia
influencia de forma decisiva os rumos da sociedade mundial.
Por fim, consideramos que as Histórias em Quadrinhos de Ficção Científica
representam uma forma única de abordagem sobre a Ciência, capaz de evidenciar as
relações entre o desenvolvimento humano e a prática científica, cada vez mais presente
em nossa sociedade. Nossa análise do potencial didático das Histórias em Quadrinhos
de Ficção Científica que aqui se encerra, não se esgota. O desenvolvimento deste
estudo nos despertou para questões que deverão ser trabalhadas no futuro, por nós ou
por outros, como o desenvolvimento de um caminho de leitura por fruição de textos
relacionados com a Ciência a partir da leitura dos Quadrinhos. "
Texto extraído de: teses usp