A LINGUAGEM DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E O ENSINO DE FÍSICA: LIMITES E POSSIBILIDADES PARA UM PROCESSO DE TEXTUALIZAÇÃO DE SABERES
A proposição aqui é destacar a dissertação de mestrado de Francisco Fernandes Soares Neto submetida ao Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Educação Científica e Tecnológica. Sob a orientação do Prof. Dr. Carlos Alberto Souza intitulada A LINGUAGEM DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E O ENSINO DE FÍSICA: LIMITES E POSSIBILIDADES PARA UM PROCESSO DE TEXTUALIZAÇÃO DE SABERES.
Segundo Francisco Fernandes Soares Neto "Com o objetivo de demarcar e
entender os limites e possibilidades inerentes ao encontro entre a linguagem
das Histórias em Quadrinhos (HQs) e o trabalho pedagógico com tópicos da
Física, a pesquisa aqui proposta faz uso da noção bachelardiana de obstáculo
epistemológico, a partir do processo de textualização de saberes em materiais
didáticos quadrinizados. Para tal, assumimos as HQs como linguagem e tentamos
abordar seu funcionamento, a partir de uma Clareza a respeito de suas
estruturas e de sua abrangência. Com isso, buscamos delimitar seu encontro com a
educação, mais especificamente em ciências, na intenção de melhor compreender
as peculiaridades desse processo de aproximação. Na tentativa de viabilizar
nossas análises, direcionamos o olhar a uma HQ que apresenta uma proposta de
textualização de conceitos de Física, voltada ao tema Eletricidade. Assim,
dentre as evidências, constatamos que, na medida em que a linguagem dos
quadrinhos se propõe a tratar assuntos da ciência, o funcionamento das suas
estruturas deve ser levado em consideração, de maneira a ampliar as
possibilidades de compreensão não somente dos conceitos científicos, mas também
da ciência e de sua dinâmica. Dessa forma, conseguimos destacar que a maneira como
as imagens ilustram conceito e ideias da ciência é fundamental para que haja ou
não o surgimento do obstáculo ao entendimento dos conceitos científicos e, junto
a isso, propusemos algumas alternativas para o trabalho com tópicos da Física, A
partir do material analisado."
Texto extraído de: repositório ufsc
Trecho da história em quadrinhos selecionada para realização do estudo
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Trecho extraído de: repositório ufsc |
História em quadrinhos selecionada para realização do estudo extraída de: novatec
Conclusões do autor
"Historicamente, a inserção dos quadrinhos na educação
formal ainda é algo muito recente. Se comparada a outras práticas e
metodologias centenárias de ensino-aprendizagem, pode ser
considerada muito incipiente dentro das possibilidades para os
caminhos do ato de ensinar, o que se traduz numa
contemporaneidade de propostas, do ponto de vista tanto da forma,
quanto do conteúdo.
Podemos considerar, para o contexto nacional, que o
marco da aceitação dos quadrinhos na educação formal brasileira só
foi estabelecido, como aponta Vergueiro & Ramos (2009), por meio
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
promulgada em 20 de dezembro de 1996. Ou seja, menos de 20
anos...
Dessa forma, faz bem pouco tempo que estamos
percebendo um aumento da utilização de quadrinhos na prática
educativa. Portanto, é mais breve ainda o aumento significativo das
pesquisas, também na área de ensino de ciências, que se dedicam ao
estudo das HQs, e das propostas com as mesmas, de maneira
sistemática.
Porém, temos que observar que a linguagem das HQs vem
se estruturando e amadurecendo há muito tempo, mas muito
mesmo! Se considerarmos, assim como Vergueiro (2005), que as
pinturas rupestres, apresentando algum tipo de narrativa do
período pré-histórico (como acontecimentos cotidianos, caçadas,
preparo de alimentos, etc.), já se configuravam como o primórdios
da linguagem dos quadrinhos.
No sentido do amadurecimento de seus processos de
criação e aceitação, trafegou por vários âmbitos. Santos Neto (2011)
destaca a presença de algumas de suas estruturas em igrejas, como
em antigos vitrais, mosaicos, tapetes, entre outros artefatos.
Ademais, observamos que, além do tempo, essa linguagem
atravessou, culturas tanto ocidentais, como orientais, quando de
maneira análoga enxergamos, por exemplo, suas estruturas em
pinturas egípcias. É muito interessante perceber que o processo pelo qual a
configuração dessa linguagem passa é histórico e carrega consigo
uma bagagem, que hoje configura a linguagem das HQs como a
conhecemos, e a faz ainda mais forte, com possibilidade de
disseminar ideias de maneiras variadas.
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Acreditamos que todas as particularidades dos quadrinhos
traz aos pesquisadores, propositores, editores, desenhistas e
educadores, que acreditam nessa linguagem e a utilizam como
ferramenta de veiculação de ideias, mais responsabilidades. Assim,
defendemos o posicionamento de que as HQs, em cada campo que
adentram, devem ser assumidas com seriedade.
A sua vinculação, somente relacionada a seu aspecto de
lúdica que a configura como uma mera atividade de lazer, durante
muito tempo, atribuiu às HQs imagens errôneas. Como constata
Santos Neto (2011, p.22), por vários anos, se estabeleceu “uma
perseguição aos quadrinhos”. Foi percebido, como destaca o autor
supracitado, que o cenário somente mudou quando começaram a
ser produzidas, por parte de alguns desenhistas, HQs de cunho mais
sério, que ampliaram sua abordagem, antes estritamente lúdica, que
a partir de então englobaram, também, temas sociais e políticos.
No campo das pesquisas em educação, como já falado, os
quadrinhos vêm ganhando, cada vez mais, o seu espaço. Esse fato,
por nós é assumido como resultante de uma postura diferente para
com os quadrinhos, como ferramenta de ensino-aprendizagem, e
para o olhar a respeito dos resultados educacionais obtidos com a
utilização dos mesmos em ambiente escolar. Esse olhar pode ser
considerado mais sério, pois, entre outras coisas, assumiu que as
teorias educacionais e de ensino-aprendizagem podem contribuir
muito para o fortalecimento da linguagem neste contexto.
Da mesma forma, acreditamos que isso deve ocorrer para
a efetiva entrada das HQs como mote de pesquisa na área de ensino
de ciências. Assim, desde o período de proposição deste trabalho, sempre buscamos dar nossa parcela de contribuição. E para
podermos enxergar isso, acreditamos na importância de se resgatar
um olhar para o processo da pesquisa aqui materializada, de
maneira analítica.
Na tentativa de alcançar nossos objetivos e responder ao
problema desta pesquisa, no capítulo 2, buscamos observar,
problematizar e aproximar as relações dos quadrinhos com a
educação, com as ciências de maneira geral e com seu ensino. Como
trazido, percebemos que essas relações não são tão jovens assim, e
que a aproximação das HQs com a ciência é observada, desde do fim
da década de 1930. Ainda destacamos, que um dos fatores que
definiu o estreitamento dessa relação foi a gênese dos quadrinhos
de ficção científica.
Percebemos que a ciência, nesse início de relação, assumiu
facetas que variaram, onde em algumas abordagens foram
assumidas como uma referência ideal, onde o mundo científico e
tecnológico era sinônimo de perfeição, e em outras como uma
ameaça constante, onde monstros, aberrações e desastres foram
vinculados a imagem da ciência como forma de prender os leitores
nas narrativas.
Ainda neste capítulo, observamos que, como ferramenta
educacional, as potencialidades da linguagem foram inicialmente
observadas por volta da década de 1940, onde histórias em
quadrinhos foram utilizadas para educar, desde maneira técnica,
soldados de guerra, até como auxílio na formação política de uma
nação.
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Assim, sua relação com a perspectiva do ensinoaprendizagem, foi se afunilando, na qual, hoje em dia as HQs podem
ser consideradas em estratégias construtivistas, no sentido que tem
o potencial de auxiliar no fomento à reflexões e na construção de
significados em diversas situações, inclusive em práticas
pedagógicas (KAMEL & LAROCQUE, 2006).
Porém, para entrarem de maneira lúcida nesse tipo de
proposta, observamos que algumas coisas devem ser deixadas as
claras. Santos Neto (2011), nos ajudou a entender que não adianta
somente propor os quadrinhos, antes é necessário que vinculemos
essas propostas a concepções maiores, por exemplo, de ensino,
estudante e escola, a fim de subsidiar a organização das mesmas, de
maneira coerente.
A essa perspectiva, somamos a ideia de que, ao se pensar
nos quadrinhos para o ensino de ciências, além da clareza a respeito
dessas concepções supracitadas, precisamos ter clareza com relação
a um entendimento da natureza da ciência, para, no mínimo,
conseguirmos considerar os caminhos possíveis que leitores e
estudantes podem tomar para construir uma imagem pessoal a
respeito da mesma. Somente desta maneira, poderemos auxiliá-los a
não tomar caminhos equivocados. O que pode afetar desde a
proposição até o trabalho pedagógico com as HQs.
Nesse sentido, no capítulo 3 tentamos abordar a
compreensão de que algumas dificuldades são impostas ao ato de
conhecer na ciência, e que, se as mesmas não forem consideradas,
podem gerar obstáculos pedagógicos. Tal percepção, foi subsidiada
pelas reflexões de Bachelard (1996), através do conceito de
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obstáculo epistemológico. Além disso, percebemos, com o autor e
alguns de seus comentadores, que esses obstáculos, ou dificuldades
impostas ao ato do real entendimento, assumem diferentes
roupagens, ou tipos, com características específicas, durante o
processo do ato de conhecer.
Além disso, esse capítulo nos auxiliou a perceber como os
conhecimentos científicos influenciam na estruturação dos
conhecimentos escolares, e que esses, até se estabelecerem na
escola, passam por um amplo processo, batizado por Chevallard
(2009) como Transposição Didática.
Com isso, ao pensarmos na linguagem dos quadrinhos
como meio de entendimento de conceitos científicos, para delimitar
as possíveis dificuldades que surgem ao entendimento desses
conceitos, levamos em conta como essa linguagem realmente
funciona. Dessa forma, no capítulo seguinte, o capítulo 4, o trabalho
buscou maior clareza a respeito do funcionamento da linguagem das
HQs e de suas estruturas internas (destacando imagens, balões de
fala, timming e quadros).
Além do entendimento de seu funcionamento, ficamos
preocupados em compreender qual seria a abrangência dessa
linguagem e, de maneira mais ampla, como poderíamos
compreendê-la.
Assim, através dos estudos de Bakhtin (2000) e alguns de
seus comentadores, nos propusemos, de maneira inicial e
respeitosa, a vislumbrar e pontuar discussões do campo da
linguística, para compreender esse funcionamento mais amplo da
linguagem dos quadrinhos. Com base em Ramos (2009), foi
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percebido que podemos configurá-la como um hipergênero do
discurso, onde suas estruturas auxiliam e constituem outros gêneros
do discurso. Esses gêneros funcionam de maneira parecida, porém,
por vezes, exercendo suas peculiaridades, através de funções
comunicacionais contextualizadas e distintas.
Agora, após feitas algumas análises da pesquisa, esse fato,
nos leva a começar a considerar que, talvez, os cuidados
relacionados ao ato de se falar de ciência e de conceitos científicos
sejam tão peculiares, que poderia ser necessária a delimitação de
um novo gênero para tal, denominado aqui, de forma ainda
embrionária, de quadrinhos científicos.
Essa consideração é feita em comparação com outros
gêneros dos quadrinhos analisados (como o cartum, a charge e as
tirinhas) que, de maneira geral, apresentam algumas
particularidades na forma de utilizar as estruturas da linguagem.
Por meio de nossas análises, presentes no capítulo 5, foi possível
perceber que, para se falar de ciência, as estruturas dos quadrinhos
também devem se movimentar de maneira específica, afim de
possibilitarem ao leitor caminhos de leituras dos conceitos e da
ciência mais coerentes, ou seja, mais críticos, humanos, históricos e
menos lineares.
Os cuidados devem ser tomados desde a estruturação da
narrativa, que é o espaço para os conceitos abordados e, assim,
poderá agregar valor simbólico a esses conteúdos, principalmente,
quando estes forem trabalhados de maneira contextual no enredo
da história. Percebemos também que esse mesmo enredo pode ser um
fator minimizador dos efeitos da Transposição Didática
(dessincretização, despersonalição e descontextualização), quando
possibilita a utilização de estratégias para, além de contextualizar os
tópicos trabalhados de maneira a aproximá-los do leitor,
proporcionar o acesso a meandros que permeiam discussões
históricas e dos processos de construção dos conceitos abordados.
Para tal, a ideia de utilização de narrativas multilineares, para esses
enredos, se configura como uma estratégia plausível.
Em nossas análises do material selecionado, ao
destacarmos alguns casos, tanto da configuração do obstáculo
animista, quanto do obstáculo verbal, observamos que, em todos, a
imagem foi a estrutura que se portou com maior relevância para o
estabelecimento dos mesmos.
Assim, por meio de tais fatos, saídas devem ser
encontradas para que essa estrutura, que causa tamanho impacto na
forma de se comunicar por meio da linguagem dos quadrinhos, não
se torne a vilã do processo de textualização dos saberes. Dessa
forma, as saídas devem levá-la a sua redenção, o que de seus
propositores requisitará, além de grande criatividade, boa afinidade
com os conceitos abordados e, sem sombra de dúvidas, intimidade
com a linguagem dos quadrinhos.
Essa é mais uma constatação que vai ao encontro do que é
levantado por Santos Neto (2011, p.135). Pois, o autor salienta que
“Trabalhar com as histórias em quadrinhos exige uma experiência
com as mesmas, familiaridade com sua linguagem e percepção de
suas possibilidades comunicativas”. A essa experiência, entendemos como o fato de se ter
noção do poder que a leitura dos quadrinhos exerce sobre o leitor,
no sentido que esse, por meio da linguagem e do enredo, pode ser
levado a transcender a sua realidade de tal forma que, quando
rendido pelo processo da leitura, pode se deixar levar e ficar aberto
a várias possibilidades, inclusive a de aprender.
Construído todo o cenário, configurado por meio dos
caminhos da pesquisa, uma das principais contribuições que
destacamos e buscamos com o trabalho foi a de tentar possibilitar a
nossos leitores, e futuros comentadores, mais um olhar dentro do
amplo espectro de alternativas com relação aos quadrinhos. Assim,
destacamos que esse olhar para os quadrinhos, e para sua
linguagem, no contexto do ensino de ciências, deve levar em conta a
sua função, quando configurado em material de ensino, onde
veiculará ideias, formará visões e posturas a respeito da ciência e
seus constructos.
É interessante, também, nesse momento, assumir que a
pesquisa aqui proposta poderia ter avançado muito mais em suas
análises. Com isso, seria possível perceber mais dinâmicas entre a
linguagem dos quadrinhos, por meio de suas estruturas, e a maneira
como se configuram as dificuldades ao entendimento dos conceitos
científicos e da ciência. Assim, poderíamos observar como outros
obstáculos epistemológicos surgem com auxílio das estruturas da
linguagem, além dos selecionados para o trabalho, o que aumentaria
o poder de abrangência dos resultados obtidos.
Em virtude do descompasso entre o tempo de
compreensão de onde poderíamos chegar com tal pesquisa e o tempo de término do trabalho, decidimos focar nosso estudo, da
maneira como foi proposto, onde buscamos olhar para o
delineamento de dois tipos de dificuldades (o obstáculo animista e o
obstáculo verbal).
Sendo assim, acreditamos que deixamos um legado
propositivo, que pode subsidiar várias outras pesquisas que se
atenham em tentar também entender como a linguagem dos
quadrinhos funciona para o ato de se falar de conceitos científicos.
Essas futuras pesquisas poderiam englobar outros materiais que
utilizam a linguagem, elaborados para outros contextos, e que
poderiam trazer diversas outras contribuições para a área.
Aqui, nos focamos a conceitos relacionados ao ensino de
Física, mas acreditamos que se mudarmos o a área do conhecimento
(trabalhando com conceitos da Matemática, Química ou Biologia)
poderemos perceber outras características, as quais os propositores
de quadrinhos para o ensino em tais disciplinas deverão ter
cuidado.
Há muita coisa a se fazer e pensar a respeito, e esperamos
que nossa iniciativa possa servir como mais um passo na construção
de um caminho que aproxime o trabalho com as histórias em
quadrinhos ao ensino de ciências."
Texto extraído de: repositório ufsc
Dissertação
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