NO DIA MAIS CLARO: um estudo sobre o sentido atribuído às histórias em quadrinhos por professores que ensinam matemática em formação
Esta postagem versa sobre a dissertação de mestrado de Luis Adolfo de Oliveira Cavalcante intitulada NO DIA MAIS CLARO: um estudo sobre o sentido atribuído às histórias em quadrinhos por professores que ensinam matemática em formação ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade Federal de Goiás como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Educação em Ciências e Matemática, sob a orientação do Prof. Dr. Wellington Lima Cedro.
Segundo Luis Adolfo de Oliveira Cavalcante, "compreender o sujeito como resultado de suas práticas sociais cotidianas nos impele a entender o aprendizado como produto da relação entre os sujeitos (relações interpessoais), em que os sujeitos mais experientes mediam o conhecimento para as gerações menos experientes. A organização da sociedade atual contribuiu para que o papel de ensinar fosse atribuído à escola, sendo o professor seu principal agente. Nesta perspectiva, torna-se de suma importância munir o professor de ferramentas que o auxiliem no processo de mediação do conhecimento. Propomos neste trabalho, as histórias em quadrinhos como uma forma de mediação, que contribua para a organização do trabalho docente. Entretanto, percebemos que a maioria dos professores não tem uma formação que possibilite o trabalho pedagógico com esta ferramenta. Sob esta ótica, voltando nossos olhares para a formação dos professores, construindo um curso de formação que fornecesse a alguns professores elementos teóricos e práticos para a produção de HQ voltadas para o ensino. Assim, esta pesquisa tem por objetivo compreender o sentido atribuído às Histórias em Quadrinhos, entendidas como mais um recurso metodológico que possibilite o trabalho pedagógico, por docentes que ensinam matemática, durante um curso de formação. A pesquisa teve como público alvo os professores que ensinam matemática que fazem parte de um projeto de pesquisa vinculado ao programa Observatório da Educação (OBEDUC – Núcleo Goiânia), um grupo que tem como foco o estudo de textos e elaboração de atividades que corroborem com as ideias da Teoria Histórico Cultural. Ao longo do curso, como forma de coleta de dados, foi utilizado dois questionários e uma entrevista, além da gravação áudio-visual de todos os encontros (posteriormente transcrita). Os dados coletados durante o curso possibilitaram o estabelecimento de três categorias de análise, que expressam preocupações relativas às concepções sobre as habilidades necessárias para se construir uma HQ, à forma como o conhecimento matemático é tratado nas HQ e como organizar atividades de ensino que façam uso das HQ. A partir da análise destas três unidades, tivemos a oportunidade de compreender melhor os sentidos que os professores atribuem às HQ. Percebemos ao longo desta investigação, a importância de oferecer cursos de formação, oportunizando ao professor o conhecimento e a prática de produção de ferramentas pedagógicas."
Texto extraído de: Diretório bdtd
Histórias em quadrinhos construídas pelos estudantes no contexto da pesquisa
Histórias em quadrinhos produzidas pelos estudantes no contexto da pesquisa extraídas de: Diretório bdtd
Conclusões do autor
"As histórias em quadrinhos representam nossa realidade por meio de simbolismos e elementos que surgem de nossas relações sociais e culturais. O sonho de um mundo melhor, compartilhado por muitas pessoas e ilustrado em muitas HQ, foi também tema do discurso de Thomas Wayne (pai do herói Batman), na primeira edição de Batman Novos 5220. Diversas são as histórias que abordam este tema: heróis que em busca de um mundo melhor vestem suas roupas e vão à luta.
Em nossa realidade, não temos heróis com roupas colantes, super poderes e alteregos. O que temos são heróis reais que no exercício de suas profissões fazem um mundo melhor. O ideal de um mundo melhor está presentes também na concepção de diversos professores. No caso deste profissional, encontramos o desejo por esta transformação ao encontramos docentes buscando o melhoramento da sua prática para possibilitar aos seus estudantes um aprendizado mais significativo, para que estes sujeitos em formação possam intervir criticamente na sociedade em que estão inseridos.
Refletindo sobre o papel social que ao professor foi atribuído percebemos que a formação de sujeitos competentes, críticos e reflexivos deve ser o objetivo do trabalho docente. O professor tem então a importante tarefa de contribuir para o processo de humanização dos sujeitos. Nesta perspectiva, cabe ao professor oferecer as ferramentas necessárias para que os sujeitos em formação possam se humanizar, apreendendo formas de intervir, re-significar e transformar o mundo que o cerca (LIBÂNEO, 2004b; NUNES, 2000).
Sob este aspecto o professor tem como uma de suas atribuições sociais contribuir para que os estudantes apreendam sobre os valores culturais, colaborando para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos indivíduos Assim, uma de suas tarefas principais é a de escolher as ferramentas e as técnicas de ensino adequadas para possa mediar o processo de humanização dos alunos. Estas ferramentas também surgem como formas de mediação, capazes de agir como elementos facilitadores da apreensão dos conhecimentos por parte dos estudantes (STRENZEL, 2009).
Nesta perspectiva, as ferramentas utilizadas pelo professor o auxiliam no
cumprimento dos objetivos educacionais. Entretanto, percebemos que a formação do professor, na maioria das vezes, é falha ao não oportunizar que este profissional trabalhe com ferramentas pedagógicas. Dessa forma, boa parte dos docentes apresenta uma formação inicial (ou até mesmo formação continuada) deficiente, que não contribua para a incorporação de ferramentas à sua prática profissional.
Em sala de aula estas ferramentas constituem formas de mediação, pois aproximam os conhecimentos sócio-culturalmente construídos dos estudantes (SIEMS, 2008). Por meio de uma inquietação pessoal, passamos a estudar sobre as histórias em quadrinhos, entendidas como mais um recurso educacional que o professor pode utilizar em sua prática pedagógica, em prol da formação de sujeitos críticos, reflexivos e atuantes na sociedade em que estão inseridos.
Novamente recaindo na dificuldade que os professores poderiam ter na incorporação das HQ à sua prática pedagógica, voltamos nossos olhares para a formação dos professores. A organização de um curso de formação foi a estratégia que utilizamos para possibilitar a apreensão de elementos teóricos e da prática de produção de histórias em quadrinhos a um grupo de professores. Focando na formação de professores, acreditamos ser interessante possibilitar que os docentes trabalhem com as HQ em sala de aula, mas é de igual importância compreender o sentido que os professores atribuem a esta ferramenta. Dessa forma, construímos como problemática central de nossa investigação: Qual o sentido atribuído pelos professores que ensinam matemática, participantes de um curso de formação, sobre a inserção das HQ como recurso metodológico na sua prática docente?
Para buscar respostas a esta problemática, escolhemos o grupo de professores participantes do OBEDUC como público alvo do curso. Organizamos o curso de forma que as atividades contribuíam para que participantes sentissem a necessidade de compreensão dos elementos que compõe as HQ, ou seja, o aprendizado partiu de uma necessidade e não de uma imposição. Dividimos estes elementos em dois tipos. Um deles chamamos de elementos pré-textuais (roteiro, argumento e o storyboard) e o outro de elementos gráficos (requadro, calha, desenho, balão e recordatório e letras). Por meio da necessidade emergente de compreender estes elementos, construímos conceituações com os professores. Após este momento de conceituações partíamos para a produção das HQ em grupo (quatro grupos composto de três professores). Um professor de cada grupo deveria aplicar a HQ em sua prática pedagógica. Entretanto, as escolas municipais de Goiânia atravessaram um período de greve, o que atrapalhou nosso planejamento. Dessa forma, em razão de um replanejamento de cada escola apenas três dos professores conseguiram utilizar os quadrinhos em sala de aula.
Henfil, Mauricio e Emilia foram os participantes que utilizaram em sua prática as histórias em quadrinhos produzidas durante o curso. Henfil e Emilia utilizaram o quadrinho ―A festa do Tangran‖, ao passo que Mauricio utilizou o quadrinho da história de amor entre os dois triângulos. As entrevistas realizadas com estes professores nos possibilitaram ver na prática dos professores os elementos debatidos ao longo do curso. Henfil, Mauricio e Emilia utilizaram as HQ de acordo com as formas que emergiram no discurso dos participantes nos momentos coletivos: introdução de um conceito, formalização de conceitos e produção por parte dos estudantes. Henfil utilizou como forma de introduzir um conteúdo. Emilia utilizou para formalizar um conceito. Já o participante Mauricio utilizou um pouco das três formas, ou seja, a HQ foi utilizada em sua prática para formalização de um conceito, mas também serviu para introduzir outros conhecimentos, e em outro momento solicitou que os estudantes produzissem suas próprias histórias em quadrinhos.
Estes dados coletados da prática dos participantes, por meio de uma entrevista,
juntamente com os dados obtidos nos momentos coletivos, dos questionários e a própria HQ, nos ajudaram a construir unidades, que nos permitiram compreender melhor o sentido que os professores atribuem às HQ. Estas unidades foram: concepções sobre as HQ; o conhecimento matemático nas HQ, e; o papel das HQ na organização do ensino.
Por meio da análise destas unidades, compreendemos melhor a importância que o
curso teve para preparar estes professores para um trabalho que faça uso das HQ. Isto porque, percebemos que alguns professores alteraram bastante os sentidos atribuídos a diversos elementos dos quadrinhos. Como exemplo, podemos pensar na participante Magali. Nos primeiros encontros Magali acreditava que a habilidade de desenho era indispensável para produzir uma HQ. Nos últimos encontros, após diversas discussões e uma prática de produção a participante acabou por perceber que elementos como um bom roteiro é tão importante quanto uma boa qualidade gráfica.
Dessa forma, o curso foi importante para que alguns professores desmistificassem
concepções simplistas sobre as HQ. Acreditamos que estas ideias decorrem do fato de que muitos dos participantes não tiveram contato com HQ voltadas para o ensino, não tinham prática de produção deste recurso e também não tiveram em sua formação (inicial e/ou continuada) disciplinas que oportunizassem o trabalho com esta ferramenta.
Percebemos com isto que, apesar de nos últimos anos terem surgido pesquisas
relevantes sobre a utilização das HQ em âmbito educacional, a formação de professores está alheia a este processo. Existem poucos cursos de formação de professores que possibilite aos docentes trabalhar com esta ferramenta.
O que encontramos atualmente é a crescente utilização das HQ em livros
didáticos. Contudo, esta incorporação não mantém o caráter educativo do livro didático, fazendo uso das imagens apenas como distração (LUYTEN, 1985b). Em livros de matemática, por exemplo, é muito comum que textos matemáticos sejam transportados para os balões, sem preocupação de contextualizar a informação ou atribuir um significado para os conceitos envolvidos na história Esta concepção de utilização das HQ pode influenciar bastante o trabalho dos professores que começam a utilizar os quadrinhos em contexto educacional.
Durante o curso tivemos a oportunidade de perceber como esta forma de
utilização dos quadrinhos, mais utilizada atualmente (HQ como distração), influencia o trabalho de professores inexperientes. O quadrinho ―Tonico e a raiz quadrada‖, produzido pelo grupo 4, composto por Mariana, Lúcia e Rosa, apresenta estas características. Na história em questão o conceito de raiz quadrada é transportado para o balão de fala de um dos personagens. Apesar do tratamento cômico dado ao conhecimento matemático, acreditamos que o máximo que o aluno compreenderá é o que é uma raiz quadrada, contribuindo apenas para a memorização, não favorecendo a passagem para outro nível conceitual, como defende Moura (2011).
Todavia, é importante salientar que das três histórias em quadrinhos que trataram
o conhecimento matemático, apenas uma delas foi produzida com estas características. Consideramos que as outras duas (A história de amor entre os dois triângulos e ―A festa do Tangran‖) foram produzidas de forma que promovem a reflexão por parte do aluno e possam contribuir para um aprendizado realmente significativo.
Com base nestas histórias construídas acreditamos que é importante que além de
proporcionar os meios necessários para o professor trabalhar com as HQ em contexto educacional, promover reflexões para que os quadrinhos produzidos possam realmente contribuir para um aprendizado significativo. As histórias em quadrinhos produzidas pelos professores devem informar, formar e promover reflexões sobre os conceitos estudados (CAMPOS; LOMBOGLIA, 1985b).
Mesmo que uma das histórias em quadrinhos produzidas pelos professores não
incorpore este valores, nos seus discursos, nos momentos coletivos todos defendiam histórias que contextualizassem o conhecimento matemático, ajudando o aluno a refletir e realizar conjecturas. Para percebermos a importância que os participantes atribuíram a estes elementos, basta analisarmos as aulas dos professores. Todos, em algum momento, realizaram reflexões com os estudantes, de modo que eles demonstrassem sua compreensão dos conceitos matemáticos relacionando-os com as histórias lidas.
Esta concepção dos professores é justificável em razão da atividades normais que
eles executam no OBEDUC. Os textos e as atividades construídas segundo os ideias da Teoria Histórico Cultural corroboram para que os professores elaborem ferramentas que não atribuam conceitos prontos para os estudantes, sendo a reflexão e o raciocínio necessários para que eles apreendam os conceitos tratados.
Analisando as histórias em quadrinhos e os discursos dos professores no período
do curso, acreditamos ser possível afirmar que obtivemos sucesso em nossos objetivos, tanto no objetivo central da pesquisa, quanto nos objetivos específicos traçados para cada encontro (ver capítulo 3). É importante salientar neste tocante, que alcançamos nossos objetivos, pois idealizamos o curso para este grupo especifico de professores. Dessa forma, primeiro definimos nosso público alvo, para depois definir a estrutura, os objetivos, as leituras e as atividades realizadas no curso.
Todas as atividades do curso foram pensadas conforme os pressupostos da THC.
As atividades foram organizadas e idealizadas para colocar o sujeito em movimento (LEONTIEV, 1978; VIGOTSKI, 2007), percebendo a necessidade de apreensão dos elementos teóricos das HQ. Não atribuíamos respostas prontas para os participantes, expondo o que era necessário para produzir uma HQ, as reflexões partiam por parte deles. Para os momentos de produção sempre realizávamos discussões sobre como o conhecimento matemático deveria ser tratado, de modo a contribuir para o processo de humanização dos leitores.
Esta forma de trabalho gerou um pouco de dificuldade no inicio, em boa parte dos
professores, mas pouco a pouco eles foram desmistificando pré-conceitos simplistas (e por vezes errôneos) e construindo seus sentidos, pautados na reflexão e na experiência de produção que obtiveram. A nosso ver, todos os participantes construíram sentidos que atribuem as HQ um status de ferramenta pedagógica que pode contribuir de forma positiva para o processo de humanização dos sujeitos.
Entretanto, é importante destacar que se repetíssemos este curso, com a mesma
estrutura, objetivos, leituras e atividades, com outro público alvo, dificilmente alcançaríamos os mesmos resultados e possivelmente não obteríamos sucesso. É importante oferecer cursos de formação e oportunizar ao professor o conhecimento e a prática de produção de ferramentas pedagógicas, mas é importante que o público alvo tenha realmente a vontade de aprender. Esta vontade, nos docentes, nasce da concepção de que estamos em uma sociedade em constante evolução, sendo estes cursos de formação necessários para que o professor acompanhe estas transformações.
Percebemos esta vontade nos professores do OBEDUC. É notável a dedicação queestes sujeitos apresentam, de estarem em um lócus com outros colegas de profissão para discutir formas de intervir no processo educacional, de ensinar de maneira significativa e de aproximar o conhecimento matemático da realidade de seus estudantes. Assim, o saldo positivo do curso se deve em grande parte pela escolha destes sujeitos.
A postura dos professores diante do novo, aceitando o desafio proposto a eles de incorporarem as HQ às suas práticas, mesmo não tendo experiência na criação deste recurso, também me mostrou boas possibilidades. O curso gerou mudanças nos professores, mas foi igualmente importante para mim. Este grupo de professores me mostrou possibilidades na prática que só havia vislumbrado teoricamente. Esta foi a primeira experiência que tive na utilização das HQ em contexto educacional, e logo de inicio, tive a oportunidade de trabalhar com professores aplicados e com vontade de mudar o panorama educacional. Assim sendo, ao longo do processo de investigação, ficou claro para mim que o professor tem a importante tarefa de contribuir para que os sujeitos se desenvolvam a partir das interações ocorridas no processo educacional, oportunizando aos estudantes apreensão de formas de pensar criticamente, reconstruindo e ressignificando os conhecimentos apropriados na escola. Por tudo isto, é justificável a frase utilizada no inicio do capítulo introdutório: com grandes poderes vêm grandes responsabilidades (Stan Lee, 1962)"
Dissertação
Artigo:
NEM PRECISA SABER DESENHAR: CONCEPÇÕES DE PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA
SOBRE AS HQ
Capítulo de livro:
Educação matemática: diferentes contextos, diferentes abordagens /
Ana Carolina Costa Pereira, Wellington Lima Cedro (orgs). – Fortaleza:
EdUECE, 2015.
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